9.4.07

BORBOLETRA DE TAFETÁ- Solidariedade

BORBOLETA DE TAFETÁ ou SOLIDARIEDADE DOS TRISTES

Nica amava as coisas bonitas.

Meias a atraíam. Não havia ainda as de nailon. As de baixo custo eram de grosseira feitura em algodão. As de fio-de-Escócia eram mais delicadas, porém em beleza, ficavam longe das de seda natural. Seus olhinhos vivos discerniam o que era belo e bom. A mãe, tão pobre, só lhe comprava as de algodão. Feias! Sonhava com meias de seda, macias e brilhantes.

Visitava algumas vezes a madrinha, parenta rica. Pediu-lhe, então, que lhe desse as meias de seda que desfiassem. Explicou que serviriam para brincar com a boneca que ganhara no Natal. Tendo obtido algumas, cortou-as, fez arremates e conseguiu belas soquetes de seda. A mãe se admirava das idéias e da precocidade de Nica para lidar com costura. Nem sabia ler!

Ao entrar para o grupo escolar ganhou da madrinha não só uma bolsa para levar o material e lanche, como também um guarda-sol rosa, florido e belo! Com a costureira da vizinhança obteve um retalho de tafetá rosa e tendo dez reis na bolsinha de feltro, marchou resoluta para o pequeno bangalô amarelo onde uma placa de papelão, manuscrita, indicava: “Passa-se trou-trou” (arremate com furinhos).

Lá se foi Nika de meias de seda, com o uniforme da escolar: a blusinha de algodão branquinho até brilhava, engomada com capricho pela mãe; impecável a saia marinho de pregas e no alto da cabeça, o laço de tafetá, durinho. Parecia uma grande borboleta assentada no cocuruto.

O sol mal se levantara, mas se numa mão ia a bolsa escolar, na outra ia o guarda-sol, aberto, imprimindo-lhe reflexos róseos nas faces.

Caminhava, espigada e serena, sabendo que pessoas voltavam cabeças para a olharem. Aquela figura chamava atenção no meio da criançada que ia para a escola de uniforme mal-passado, sandália ou chinelo bem surrados. Nica parecia saída de um quadro a óleo suavemente colorido.

A “ricaça” metida, também abalou a menina de blusa encardida, de carapinha alvoroçada, que novinha, no segundo ano de escola, já precisava ganhar a vida cuidando de crianças menores. Aquela visão de luxo e cores feriu seu senso de justiça. Mesmo sem saber o que a movia avançou, arrebatou o guarda-sol de Nica, jogando-o no chão e antes de qualquer reação arrancou-lhe o rico laçarote e pisou-o.

Gargalhadas aplaudiram a agressora.

Não houve reação. Nica, perplexa, indagava o por quê e chorava. As lágrimas abrandaram alguns corações. Duas meninas recolheram o guarda-sol e o laço e os deram para Nica.

- Chora não! É só lavar, fica tudo novo! Quer ser nossa amiga? Como você se chama?
Nica maravilhou-se. Viu a flor do lodo, viu rosa entre espinhos, viu o sol entre nuvens... Sorriu entre lágrimas !


Por Maria Luzia Martins Villela

Publicado em SOLETRANDO da FOLHA DA REGIÃO DE ARAÇATUBA 2007

2 comentários:

HAMILTON BRITO... disse...

NA PROSA OU NA POESIA
NO PERFEITO ALINHAMENTO DAS PALAVRAS
QUANTA SABEDORIA....

Anônimo disse...

Sim, provavelmente por isso e