BORBOLETA DE TAFETÁ ou SOLIDARIEDADE DOS TRISTES
Nica amava as coisas bonitas.
Meias a atraíam. Não havia ainda as de nailon. As de baixo custo eram de grosseira feitura em algodão. As de fio-de-Escócia eram mais delicadas, porém em beleza, ficavam longe das de seda natural. Seus olhinhos vivos discerniam o que era belo e bom. A mãe, tão pobre, só lhe comprava as de algodão. Feias! Sonhava com meias de seda, macias e brilhantes.
Visitava algumas vezes a madrinha, parenta rica. Pediu-lhe, então, que lhe desse as meias de seda que desfiassem. Explicou que serviriam para brincar com a boneca que ganhara no Natal. Tendo obtido algumas, cortou-as, fez arremates e conseguiu belas soquetes de seda. A mãe se admirava das idéias e da precocidade de Nica para lidar com costura. Nem sabia ler!
Ao entrar para o grupo escolar ganhou da madrinha não só uma bolsa para levar o material e lanche, como também um guarda-sol rosa, florido e belo! Com a costureira da vizinhança obteve um retalho de tafetá rosa e tendo dez reis na bolsinha de feltro, marchou resoluta para o pequeno bangalô amarelo onde uma placa de papelão, manuscrita, indicava: “Passa-se trou-trou” (arremate com furinhos).
Lá se foi Nika de meias de seda, com o uniforme da escolar: a blusinha de algodão branquinho até brilhava, engomada com capricho pela mãe; impecável a saia marinho de pregas e no alto da cabeça, o laço de tafetá, durinho. Parecia uma grande borboleta assentada no cocuruto.
O sol mal se levantara, mas se numa mão ia a bolsa escolar, na outra ia o guarda-sol, aberto, imprimindo-lhe reflexos róseos nas faces.
Caminhava, espigada e serena, sabendo que pessoas voltavam cabeças para a olharem. Aquela figura chamava atenção no meio da criançada que ia para a escola de uniforme mal-passado, sandália ou chinelo bem surrados. Nica parecia saída de um quadro a óleo suavemente colorido.
A “ricaça” metida, também abalou a menina de blusa encardida, de carapinha alvoroçada, que novinha, no segundo ano de escola, já precisava ganhar a vida cuidando de crianças menores. Aquela visão de luxo e cores feriu seu senso de justiça. Mesmo sem saber o que a movia avançou, arrebatou o guarda-sol de Nica, jogando-o no chão e antes de qualquer reação arrancou-lhe o rico laçarote e pisou-o.
Gargalhadas aplaudiram a agressora.
Não houve reação. Nica, perplexa, indagava o por quê e chorava. As lágrimas abrandaram alguns corações. Duas meninas recolheram o guarda-sol e o laço e os deram para Nica.
- Chora não! É só lavar, fica tudo novo! Quer ser nossa amiga? Como você se chama?
Nica maravilhou-se. Viu a flor do lodo, viu rosa entre espinhos, viu o sol entre nuvens... Sorriu entre lágrimas !
Por Maria Luzia Martins Villela
Publicado em SOLETRANDO da FOLHA DA REGIÃO DE ARAÇATUBA 2007
9.4.07
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
NA PROSA OU NA POESIA
NO PERFEITO ALINHAMENTO DAS PALAVRAS
QUANTA SABEDORIA....
Sim, provavelmente por isso e
Postar um comentário